segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Políticas públicas para o semiárido, progresso ou retrocesso?

Historicamente foi se construindo a ideologia de que o semiárido brasileiro representa o impedimento do crescimento do país, de que é um lugar de fome, miséria, onde as pessoas são consideradas incapazes de ser autônomas e viver dignamente, e isso não é apenas uma construção simbólica da realidade, se olharmos um pouco para trás, veremos que a imagem da mídia em relação ao nordestino é uma mulher pobre, retirante, cheia de filhos e uma cachorra com nome de peixe, fugindo da seca e sempre em rumo ao sul do país.
A literatura brasileira também não diz o contrário, basta ver o sucesso de “O quinze”, de Raquel de Queiroz, “A fome”, de Rodolfo Teófilo, entre vários outros, que, embora sejam de uma grandeza literária significativa, até mesmo por tratar de várias outras questões sociais e políticas, em resumo, retratam um drama social vivido por flagelados fugindo da seca, o drama, a escassez e a necessidade de um povo quase sem esperança.

Associado sempre à falta de água e à necessidade, a ideologia política, resultado de uma construção histórica das elites, atribui a Deus, à natureza e a todas as pessoas que vivem no semiárido, as dificuldades enfrentadas pela falta de políticas adequadas, apontando soluções milagrosas e quase inviáveis e inacessíveis a todas as pessoas, políticas que resultam apenas no enriquecimento da indústria da seca através de grandes projetos como açudes, transposição do rio São Francisco e vários outros.

Hoje, o que se vê não faz alusão a esse contexto: famílias organizadas, comunidades unidas e fortalecidas entre outros fatores, deram origem à construção de novas políticas simples, baratas e acessíveis a todos. O que se apresenta é a construção de políticas de convivência com o semiárido a partir da óptica da sociedade civil, da organização popular e da garantia dos direitos básicos do ser humano, tendo em vista a criação de programas que viessem atender a essas demandas.

Foi nesse contexto que surgiram programas como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que já beneficiou a milhares de pessoas em todo o semiárido, água para o consumo e produção de alimentos, agregado à formação, qualidade de vida, geração de renda, soberania e segurança alimentar.
A partir da efetivação dessas políticas, que tem a participação de todos, inclusive de agricultores e agricultoras, fugindo desse modelo assistencialista que tem se configurado na sociedade até então, a articulação da sociedade civil passou a disseminar um novo olhar sobre a vida no semiárido.
Contudo, para a surpresa de todos, um novo contexto se apresenta: o Ministério da Desenvolvimento Social e Combate à Fome publicou em nota, através da sua assessoria de imprensa, e confirmou, na noite do dia 13 de dezembro, um redesenho do que seria o Programa Água Para Todos, dentro do Plano Brasil sem Miséria, onde a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) não foi incluída, interrompendo a parceria para implementação do programa de formação e mobilização social para convivência com o semiárido, o que, segundo a ASA, pode gerar um retorno claro e nítido a velhas práticas da indústria da seca, sendo ainda uma tentativa de anular a história de luta e mobilização no semiárido.

A ASA ainda divulga que, no mesmo dia em que denuncia que a suspensão do apoio do Governo Federal pode inviabilizar o programa de 1 milhão de cisternas no semi-árido, o Ministério da Integração Nacional anuncia a entrega, em Cedro (PE), da primeira das 300 mil cisternas de polietileno que serão distribuídas na “fase inicial” do programa água para todos.
A argumentação é que, a partir de agora, o Governo Federal vai priorizar a execução do Programa Água para Todos, que integra o Plano Brasil Sem Miséria, apenas via municípios e estados, excluindo assim a sociedade civil organizada.
Para além da parceria com estados e municípios, o Governo também anuncia a compra de milhares de cisternas de plástico/PVC de empresas que começam a se instalar na região. Ou seja, o governo não apenas rompe com a ASA, mas amplia a estratégia de repasse de recursos públicos para as empresas privadas.

É estranho aceitar que as cisternas de plástico surjam como alternativa para o semiárido, uma vez que as famílias não participam dos processos e se tornam dependentes das empresas, quando se sabe que o sucesso do programa Um Milhão de Cisternas está na participação das famílias como protagonistas de sua história, no fazer e ser parte do processo.

Por Sanny A. Teixeira Ramos
Universitária FACEDI/UECE
Comunicadora da Cáritas de Itapipoca

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