quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Por um Projeto Arte na Escola em SGA.



O Prêmio Arte na Escola Cidadã e a qualidade no ensino da arte
Mirca Bonano

Artigo publicado originalmente pela Revista Pátio Ano XIII - Nº 49. A Revista Pátio e o Instituto Arte na Escola mantém parceria institucional que viabiliza a divulgação de artigos como este.


A 9ª edição do Prêmio Arte na Escola Cidadã selecionou em âmbito nacional as práticas de arte de mais de mil professores do ensino básico, traçando um panorama da diversidade do ensino de arte no Brasil e das características culturais distintas e significativas de cada região. Os dez anos do Prêmio e o alcance nacional da Rede Arte na Escola demonstram o quanto professores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste vêm gradativamente ampliando a sua participação e submetendo suas práticas à avaliação pública.

O acesso às manifestações artísticas e culturais regionalizadas ampliou o interesse dos professores em trazer para as aulas de arte dinâmicas que estabelecem diálogos com artistas, acompanham suas trajetórias e observam o conjunto da obra. Esses são valores que não foram identificados nas edições anteriores e que despertam entusiasmo nos alunos. O cenário do Prêmio revela um grande interesse e motivação para pesquisa e apropriação dos referenciais culturais de cada local. Isso pode indicar que os professores estão percebendo a importância da articulação entre educação e cultura no âmbito local e mundial.

Na observação realizada pelas comissões regionais e nacional, verifica-se que algo mudou em relação às proposições, que vão deixando as releituras de lado e incentivando mais o desenvolvimento das poéticas pessoais dos alunos. No entanto, uma grande parcela de inscritos ainda apresenta problemas estruturais, como a ausência de repertório de arte, impossibilitando a construção de pontes de conhecimento que liguem a produção artística aos contextos históricos e sociais e suas relações com o mundo dos estudantes. Há também predominância nas questões de cidadania e de promoção da auto-estima, em detrimento do ensino de arte. Outro problema detectado foi a dificuldade do professor em definir as expectativas de aprendizagem e onde quer chegar com suas aulas de arte.

Diante deste cenário, nota-se o quanto o Prêmio revela as fragilidades e os caminhos possíveis de investigação para o ensino de arte, tornando-se uma fonte de retroalimentação para as ações de formação continuada da Rede Arte na Escola.

O Prêmio tem ainda o papel de identificar e reconhecer as “boas práticas”, aquelas que difundem experiências modelares para outros professores, assim como é papel da Rede Arte na Escola contribuir com o aprimoramento profissional destes. Assim, quanto mais profissionais bem formados existirem, maior será o papel da escola em democratizar o acesso à arte e à cultura, problematizando a vida e o cotidiano dos alunos e da comunidade escolar, num círculo virtuoso.

Sabemos que a vontade de estabelecer trocas com seus pares e afastar-se do isolamento e da “solidão pedagógica” são desejos que a internet tem minimizado. Sem dúvida, muitos dos professores que “ousam” inscrever seus projetos no Prêmio Arte na Escola Cidadã estão buscando colocar luz sobre o seu trabalho e compartilhá-lo. Ao decidir pela participação, o professor sabe que necessita ter registrado e documentado seu processo de trabalho, algo fundamental para a análise e reflexão de sua prática, explicitada por meio da descrição das atividades, tomadas de decisões, eventuais mudanças de percurso, acolhimento às contribuições vindas dos alunos e/ou de membros da comunidade escolar, bem como das situações de aprendizagem significativa.

A seguir, algumas observações a partir dos relatos dos professores vencedores do Prêmio Arte na Escola Cidadã.

A professora Rosane Mari dos Reis, de Joinville (SC), vencedora em 2008, atua na educação infantil e propôs a criação e a construção artísticas a partir da utilização dos elementos encontrados no jardim da escola. A experimentação foi uma das principais estratégias para que as crianças pudessem vivenciar diferenças de tamanhos, pesos, temperatura, texturas e cheiros dos materiais encontrados no jardim da escola. Ao longo do processo estes elementos do jardim e suas percepções foram se transformando em objetos para produção de trabalhos artísticos. Montar uma exposição a fim de envolver as famílias e a comunidade escolar em uma campanha de preservação de sambaquis (depósito de conchas e objetos orgânicos manipulados pelo homem em tempos antigos no litoral brasileiro) foi a ação cidadã deste percurso.

Tomando emprestado da 27ª Bienal de Arte de São Paulo o tema Como viver junto, surgiu a proposta da professora de artes visuais do ensino fundamental Liane Gomes Esteves, do Rio de Janeiro (RJ), que realizou em sua escola uma “Bienal” com o grande desafio de envolver professores de diferentes disciplinas. O projeto, vencedor em 2007, veio ao encontro também do projeto político-pedagógico da escola Preparando o cidadão do futuro. Em seu desenvolvimento, os alunos/artistas participaram de discussões, visitas às exposições, museus e centros de cultura como o Centro de Arte Hélio Oiticica.

O artista, que foi referência para os curadores da Bienal de São Paulo, passou a ser estudado também pelos alunos cariocas, o que contribuiu para o embasamento que culminaria na criação de suas próprias produções. Além de usar os muros da escola, o projeto estabeleceu parcerias com artistas de dentro e fora da comunidade e até com outras escolas como a Corcovado, freqüentada por alunos da classe média alta da cidade. Ao fim do ano letivo, em dezembro de 2006, teve início a “I Bienal da Camilo”, uma semana de atividades com direito a bate-papo com os artistas e visitas guiadas pelos alunos-monitores.

O respeito e a valorização em relação à cultura potiguar foram motivações que levaram a professora da educação de jovens e adultos Evanir de Oliveira Pinheiro, de Natal (RN), vencedora em 2006, a desenvolver o trabalho na Escola Municipal Professora Emília Ramos, localizada em uma região cercada por dunas, onde os índices de pobreza e violência são bastante altos. Diante da gradativa perda de interesse dos alunos pelas próprias raízes, ela decidiu criar situações de aprendizagem que contribuíssem para informar de modo crítico e reflexivo o olhar dos alunos diante da memória de artistas populares e das manifestações artísticas folclóricas já bastante esquecidas entre eles. O desafio que se apresentava era o de despertar o interesse dos estudantes pelas práticas artísticas potiguares e ao mesmo tempo estimular a expressão artística de forma crítica e consciente. Além de promover a apreciação e a contextualização do folclore local, o trabalho teve como meta também fazer pensar sobre a noção de realidade veiculada a partir dos meios de comunicação, capaz de influenciar jovens e adultos com um modelo de mundo padronizado.

Partindo da valorização das pessoas que constroem as cidades e seus espaços, a professora do ensino fundamental Beloní Cacique Braga, de Uberlândia (MG), vencedora em 2005, desenvolveu com 160 alunos de 5ª a 7ª séries um trabalho de alfabetização na leitura de imagens muito além da sala de aula, focalizando a vivência e a interação humanas, a arte e seu ensino.

A proposta surgiu de forma coletiva com os alunos, partindo da análise do trabalho desenvolvido em 2003, Papel Papelão – finalista do V Prêmio Arte na Escola –, quando foi criada uma cidade de papel. “As idéias do professor precisam se converter junto aos alunos em ação de alinhavo, e não de costura. Enquanto se alinhava, é possível desmanchar a costura, recosturar, cortar, recortar. Assim, a prática pedagógica tende a ser ampliada, conscientes de sermos eternamente aprendizes”, afirma a professora. Surgiu daí a idéia de, além de representar, discutir a cidade. Foi feita, então, a opção por conduzir o trabalho a partir das pessoas que habitam e ajudam a construir cotidianamente a cidade de Uberlândia.

O projeto do professor de ensino fundamental e ensino médio Victor Venas, de Feira de Santana (BA), vencedor em 2004, se propôs a ensinar como as linguagens artísticas da pintura abstrata e da instalação podem contribuir para o desenvolvimento da subjetividade e aguçar os sentidos quando nos permitimos a dialogar dentro deste contexto. Alunos da 7ª e 8ª séries do ensino fundamental e do 2º ano do ensino médio foram envolvidos. As pinturas e instalações fruto do trabalho foram expostas na escola e na cidade e os pais foram envolvidos nas discussões sobre o resultado do trabalho. A iniciativa gerou a gravação de um documentário sobre os processos vivenciados e fases de produção dos trabalhos, com depoimentos de alunos, sendo esta uma importante ferramenta de divulgação, de registro e reflexão da prática.

Pelos relatos acima, pode-se notar que o Prêmio Arte na Escola Cidadã é uma fonte constante de experiências que se acumulam ao longo do tempo, permitindo a análise de diferentes contextos culturais e educacionais. Como diz Fernando Hernández em seu artigo no livro Arte, escola e cidadania: um prêmio e seus premiados (Hernández, 2006), “às vezes me pergunto o que leva um professor ou professora a se candidatar a um prêmio na área de educação. O que o leva a tomar a decisão de iniciar um processo de reconstrução, elaboração e demonstração pública de uma experiência que realizou na escola ou na sala de aula? O que o faz romper o espaço privado da relação que acontece intimamente com seus alunos para torná-la pública e transparente? O que o motiva a que o pudor – que tradicionalmente caracteriza o educador – desapareça e decida mostrar-se para ser submetido ao escrutínio dos outros, de estranhos?”.

Para o Instituto Arte na Escola, conhecer mais de perto as práticas dos professores que trabalham com arte em todo o país possibilita a formulação de políticas de formação que, juntos aos seus pares inseridos nas universidades conveniadas, podem contribuir para a efetiva melhoria do ensino da arte.

Referência

HERNÁNDEZ, Fernando. O desafio de tornar pública uma experiência. In: INSTITUTO ARTE NA ESCOLA (Org.) Arte, escola e cidadania: um prêmio e seus premiados. São Paulo: Instituto Arte na Escola: Ed. da Unesp, 2006. p. 24.

Mirca Bonano é graduada em Educação Artística, integrante da equipe do Instituto Arte na Escola e coordenadora do Prêmio Arte na Escola Cidadã.

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