Dizia meu avô que a política é “a arte de engolir sapos”. Nem a ciência política nem a filosofia política conseguiram uma melhor definição. Podemos comer rãs. Os que são diferentes de mim, os carnívoros, podem achar a carne da rã saborosa. Mas, sapo, nem pensar, ele é venenoso. Portanto, “a arte de engolir sapos” não é fácil. Pode-se, com ela, ficar intoxicado rapidamente e morrer. Desse modo, a definição que meu avô gostava já dizia tudo sobre a política, ou seja, é uma arte perigosa, letal. Meu avô, ele próprio, experimentou essa definição. Ele morreu na política e exatamente por ter engolido sapo.
Dizem que a política e a guerra em tempos de paz. Pode ser. Pois, como a guerra, ela também mata. Ela exige aquilo que nós, os bípedes sem penas, achamos que é da nossa natureza, ou seja, a paciência e a conversação a fim que aquilo que se quer alcançar seja negociado, administrado estrategicamente e, então, obtido com o menor número de desgaste energético possível. Tudo isso parece ameno. Mas não é. A política é a brutalidade da paz. Mesmo quem convence e vence acaba pagando um preço, engole seus sapos e, portanto, nunca tem uma vitória absoluta. Um pouco de toxinas sempre são absorvidas. Elas podem ser acumuladas de vitória em vitória e, um dia, aquele que só venceu na política, morre dela. Morre de tanto vencer. A política é “a arte de engolir sapos” não só para um lado, mas para todos os lados envolvidos no que se está disputando.
O que se quer na política é o poder. O poder substantivo e o poder verbo. Encaminhar o bom governo de uma sociedade – eis a política. Mas, no desenvolver desse bom governo, ou seja, no comando do poder que implica no poder fazer, tudo tem seu jogo de forças, sua negociação, suas idas e vindas. Engole-se sapo de todos os lados. Às vezes todos os lados engolem tanto sapo que o poder fica vazio, ninguém entre os disputantes sobra para abraçar o poder e exercer o poder. Todos perecem intoxicados de veneno de sapo por todos os poros. Morrem.
Meu avô entrou em uma negociação política. Seu grupo havia perdido as eleições de sua cidade. Os novos mandatários, uma vez na prefeitura da cidade, queriam o comando do hospital municipal. No hospital havia os médicos que há muito tempo lá estavam, verdadeiros heróis. Iriam perder suas clínicas dentro do hospital. Meu avô entrou na negociação política, intermediando os desejos vindos de vencedores e vencidos. Esteve lá, entre o novo prefeito e os médicos. Mas ele próprio havia sido vencido. Sua condição de negociador, eternamente posta na cidade como um trunfo da própria cidade, estava enfraquecida. Ainda assim ele comandou a negociação. No meio da reunião, ele teve uma hérnia estourada. Segurou a hérnia com a mão e procurou suportar a dor. Manteve-se ali na reunião, até o final, seis horas depois. Conseguiu seu intento na negociação, mas, no dia seguinte, morreu de enfarto. O sapo foi grande d emais. Pagou com vida aquela eleição de 1975 para 1976. A política é a barbárie civilizada. É a guerra brutal em tempos de paz.
Pensar politicamente é, portanto, pensar em como guerrear sem dar tiros e, sim, empurrando sapos goela abaixo do adversário que, enfim, é visto como aquele que quer o poder substantivo e o poder verbo de modo absoluto. Ao mesmo tempo, nessa batalha, o que se deve fazer é saber engolir sapos de modo a poder cuspi-los quando o veneno acusar perigo. Mas, isso é difícil.
Não há vencedores na política, quando observamos os contendores imediatos. Vence na política os que usufruem dos benefícios do poder fazer após o bom governo se efetivar. Vence o grupo maior, o terceiro grupo que é, enfim, a população, que recebe os benefícios da administração da cidade, o bom governo. Os envolvidos diretamente com a conquista do poder substantivo a fim de empurrar as coisas por meio do poder verbo, não vencem nunca. Dos dois lados, os envolvidos diretamente, só perdem. Pois não se faz o outro engolir sapos sem também engolir a sua quantidade. Ao final, os dois lados estão envenenados. A política é a guerra da paz, a guerra lenta, surda. É o consumo dos sapos que vão soltando os seus venenos pelo estômago e pelo intestino, contaminando todos os corpos dos contendores. Sapos são altamente venenosos.
Pensar politicamente é pensar em função de ter o poder substantivo para ficar com o poder verbo. É pensar em como engolir menos sapos do que aqueles que se pode fazer o adversário engolir. Todo grande político sabe muito bem que a política é isso. Portanto, todo grande político sabe que não sairá vivo da política. Eis a razão pela qual a política e a guerra se casam, uma é a extensão da outra. A diferença é que na guerra morrem os que não fazem política, enquanto na política sofrem todos, às vezes, mas morrer, mesmo, só os políticos. Não há grande político que não saiba que ele irá perder a vida, cedo ou tarde, por conta dos sapos.
Só escapa de engolir sapos, entre os grandes políticos, aquele que, em determinado momento, opta pela guerra, ou a guerra do outro ou a sua própria guerra. Esse político morre na guerra. Ele toma a morte nas mãos, opta por morrer com data marcada. Os que optam só pela política, morrem sem saber quando vão morrer, pois os sapos não dizem exatamente quando a taxa de veneno será a fatal.
A política é a negociação associada ao pensamento estratégico em função do governo da cidade que, enfim, deve ser o bom governo. Portanto, pensar politicamente é pensar em termos de como encaminhar melhor uma negociação para que, ao final, tudo culmine no bom governo. O alvo é o poder substantivo e o poder verbo.
Pensar politicamente é pensar a negociação como um dispêndio de energia inevitável. É a morte inevitável. Pois essa energia é calculada pelo número de sapos que é possível de ser ingerido e, também, pelo número de sapos que se pode fazer o outro ingerir em um determinado espaço de tempo. A política é “a arte de engolir sapo” porque ela é a atividade da contrariedade. Quem não pode ser contrariado não pode pensar politicamente e não pode fazer política – não deve. A política só cai como luva para aqueles cujas mãos são do tamanho das luvas, ou seja, para quem se ajusta no tempo e no espaço para engolir sapos. Quem tem estômago fraco, não faz política.
Quando que alguém não pensa politicamente? Quando alguém faz política sem pensar politicamente? Quando se quer o poder substantivo em função de ser ter o poder verbo sem querer engolir sapo. Pensar politicamente é pensar com a garganta. É necessário saber engolir sapo e saber expelir. É necessário saber o que se suporta de contrariedade, se há como fazer o adversário engolir mais sapos ainda e ter uma boa visão do quanto ele suportará isso. Quem sabe isso, já está na metade do caminho de ser exímio engolidor de sapos, grande fazedor de política, hábil na capacidade de pensar politicamente.
Pensar sociologicamente é pensar a partir da perspectiva da sociedade. Pensar filosoficamente é pensar a partir da perspectiva da razão. Pensar politicamente é pensar a partir da racionalidade instrumental associada ao tanto de sapo que se pode colocar no estômago. Pensar politicamente não é pensar pacienciosamente. É pensar pacienciosamente quando se tem de pensar pacienciosamente. Mas é ser intempestivo quando se tem de sê-lo. Ou seja, a política é arte – arte de engolir sapos. Não é engolir sapos, simplesmente. É a arte de assim fazer. Não se trata de tragar para dentro tudo que é sapo. Trata-se de pegar os sapos e abrir espaço para que adversários também venha a engolir os seus. A política é um toma-lá-da-cá – de sapos!
O jogo de “dar e fornecer razões” tem a ver com as justificativas que estão no âmbito da filosofia e da sociologia. O jogo de “dar e fornecer razões” não pertence à política. Na política troca-se o jogo, pois tudo gira em torno de sonegar razões e dar não-razões quando se tem força para tal, ou seja, quando se pode fazer o outro engolir o sapo. Pensar politicamente, nesse caso, é saber entrar em um jogo de forças não para estourar com ele, mas para ficar nele. O melhor político é o que pensa politicamente, ou seja, o que fica no jogo político porque seu pensamento se desenvolve naturalmente no tempo desse jogo que, para outro, seria sufocante. Entra-se nisso para ficar. O que pensa politicamente nunca pensa em sair do jogo. Não poderia mais viver sem o veneno que consome diariamente, vindo dos sapos. Quem pensa politicamente está sempre viciado na política. Pois, antes de matar, o vene no vicia. O veneno do sapo é um tipo de droga. Pode ser uma droga alucinógena.
A alucinação que essa droga provoca é necessária, pois é a alucinação de que podemos nos entender na obtenção do bom governo. Sem essa alucinação, somos bem piores.
© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr. filósofo, escritor e professor da UFRRJ
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