O famigerado “controle social da mídia”
Após a vitória de Dilma o PT se organiza novamente no sentido de absorver seu principal “quadro”, José Dirceu. Absorver não é bem o termo. Talvez o melhor termo seja “absolver” – de vez!
Tudo indica que Lula, fora do governo, voltará a ter Zé Dirceu como amigo de fotos e fatos. Sairão pelo Brasil em campanha que, talvez, ajude antes a hegemonia do PT na sociedade que a “reforma política” e a “democratização da mídia” em um sentido interessante, o seja, de promoção da liberdade individual. Será a mais completa vitória da esquerda brasileira sobre a direita, se é que isso já não ocorre agora. Tudo dará certo para Lula-Dirceu, a dupla que está prestes a se recompor, caso Mantega e sua equipe, no governo Dilma, consigam deixar o Brasil de fora da segunda etapa da crise econômica mundial. E quem não torce para que isso ocorra é estúpido.
Para nós, cidadãos democratas com um olhar à esquerda, há o que se preocupar – e muito. Lula gosta da democracia e nela é vitorioso. Isso é ótimo. Zé Dirceu fala sempre bem da democracia, mas sua prática demonstra que ele tem sérias dúvidas quanto à democracia. Quando Lula fala a palavra “democracia”, ao contrário do que gente do DEM e agora até do PSDB podem afirmar, ele realmente está pensando na “democracia burguesa” como nós a vivemos e conhecemos. Mas quando Zé Dirceu fala de democracia, ele pode estar pensando na “democracia popular”, algo que pode simplesmente esconder fórmulas indescritíveis de regimes de cerceamento do Congresso. A base militante do PT é lulista de coração, mas é dirceuzista de cabeça. E às vezes, para azar do Lula, ele também é dirceuzista e não lulista.
A base da militância do PT não tem tanto apreço pela liberdade quanto tem pela igualdade. Ela prefere acreditar que toda e qualquer frase da Veja, do Estadão e da Folha, quando criticam o PT, até mesmo por questões técnicas como o caso do ENEM, é farsa arquitetada pelo que chama de “Partido da Mídia Golpista” (PIG), um título chavista que entrou na cabeça do militante petista. Ao longo de oito anos Zé Dirceu foi o Presidente do PT, e o PT que existe hoje é fruto dele, não daqueles que, na gestão de Francisco Weffort, tinham grande apreço pela democracia liberal. Zé Dirceu foi o Capitão Nascimento do PT – ele criou um máquina de guerra, mas que para dar tiros no pé não custa nada. A base do PT ainda não compreendeu que a esquerda só floresce, realmente, em lugares em que não existe qualquer “controle social da mídia”, seja esta imprensa conservadora ou não.
A imobilidade da reflexão política do militante da base do PT hoje é bem maior que antes de 1989. Antes, o PT tendia a ponderar sobre notícias da imprensa, mesmo que a chamasse de “imprensa burguesa”. Hoje, a militância finge desconhecer, para si mesma, que um Luis Nassif (e muitos outros), por exemplo, não raro atue como um mero inventor de propagandas governamentais pago com o nosso dinheiro, através de uma empresa do próprio Nassif que, sem licitação, está dentro do aparelho do governo, no coração do poder. A militância jovem não se lembra que Nassif foi um detrator de Lula e do PT nos anos noventa. Mudou por causa do dinheiro. O fato de conferir veracidade ao que Nassif fala é um absurdo. Mas essa militância assim faz. Esse tipo de militância irreflexiva é fruto do tipo de partido que Zé Dirceu e seu grupo construíram, em que a base deveria apenas chancelar decisões da cúpula. O mais interessante é que Zé Dirceu assim agiu, no PT, com um discurso social-democrata e não com um discurso radical e carcomido de esquerda. Ao contrário, ele expulsou os grupos mais à esquerda do PT. Mas, na sua prática política, no qual foi ajudado, sim, por Lula, ele gerou um monstro que não é de esquerda e nem de direita, é apenas um tresloucado bichão cego que se chacoalha todo a cada crítica de alguém ao futuro governo Dilma. Nada há de mais perigoso no Brasil hoje para a esquerda que a própria esquerda.
A imprensa brasileira não pode contar com os partidos na defesa da liberdade de imprensa. PSDB e DEM são tão ou mais autoritários que o PT. O discurso liberal dessas agremiações se provou falso. Esse isolamento da imprensa pode ajudá-la a se tornar independente. Mas, é certo, o embate vai ser encarniçado. E a derrota será da sociedade. Pois a própria imprensa agirá como o PT, irá diminuir seu espectro de colaboradores, aliás, como já fez durante a eleição. Radicalização de um lado, o do PT, irá levar a uma forma de partidarismo de outro, o da imprensa. A imprensa brasileira não é golpista – não há como ser golpista sem militares ou milícias –, mas vai vestir a carapuça jogada pelo PT e vai se apresentar como um partido realmente conservador. Tenderá a fazer isso à medida que Dilma der brecha para que o PT fale em “controle social da mídia”. Pois, quando o PT diz isso, todos nós sabemos que o que vem adiante é controle de conteúdo, de preferência controle moral. E o PT hoje, sendo um partido de setores religiosamente conservadores, pode dar origem a monstrengos ao se impor como diretor de idéias em qualquer setor social.
Como sempre, a saída para esse impasse é a melhoria da capacidade de organização social autônoma e a valorização da capacidade crítica das pessoas. Teríamos de contar com a universidade para tal. Há potencial universitário para isso. Mas, por enquanto, também está amarrado demais a uma forma de pensar maniqueísta, atiçada pelas disputas recentes da eleição. Vamos torcer para que esse potencial volte a pensar de modo independente.
© Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
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