Quem não conhece ou nunca ouviu falar de histórias de gente que entra na vida pública só para se arrumar?
A triste notícia de que mais de um terço de prefeituras do Ceará – entre grandes, médias e pequenas – está atolada em corrupção, conforme vem mostrando uma série de reportagens do O POVO, deixa algumas lições. A principal delas é o reforço do estigma de cidades cearenses cada vez mais paupérrimas, onde falta praticamente tudo em serviços públicos, em contraste com suas elites políticas locais, cada vez mais nababescas. Quem não conhece ou nunca ouviu falar de histórias de gente que entra na vida pública só para se arrumar? Que entra puxando uma cachorra, e de repente passa a desfilar em carrões, adquire coberturas na Capital – onde, inclusive, passa a morar e despachar -, e a usar testas-de-ferro para despistar o patrimônio das autoridades? Esquemas fraudulentos e generalizados em licitações, como o que o Ministério Público do Estado está jogando à luz, ajuda a explicar a trágica distorção.
MUITO DINHEIRO SUJO E CAIXA DOIS
O escândalo da hora também permite algumas leituras políticas. Indo ao ponto. Você, dileto leitor/internauta, tem ideia da fortuna que é torrada em uma disputa política municipal? Ninguém tem. Mesmo naqueles locais miseráveis, perdidos no mapa, é impossível estimar. Nem mesmo por quem disputa o poder nessas localidades. O fato é que correm rios de dinheiro, geralmente com duas características marcantes. Primeira: é grana suja, que entra de forma invisível, na base do velho caixa dois. Segunda: geralmente, é despejada por quem se beneficia dos gestores de plantão. É onde entra a livre atuação das quadrilhas, para os “combinemos” em contratos para obras e prestação de serviços.
A REELEIÇÃO AJUDA A EXPLICAR
Há dois anos e meio, no rastro do resultado eleitoral que definiu o atual mapa de prefeitos no Ceará, veio a observação de que fomos o Estado, em nível de País, com o maior número de gestores reeleitos. Nada menos do que 75% dos prefeitos que disputaram a reeleição conseguiram um segundo mandato consecutivo. O Norte/Nordeste do Brasil, que carrega, historicamente, o estereótipo de corrupção e patrimonialismo na política, detém os maiores índices. Depois do Ceará, vem a Paraíba (74,3%) e Acre (73,3%) com os maiores índices de prefeitos reeleitos. É coincidência? Na política, isso quase não há. Deve haver muitos motivos para um prefeito ser reeleito. Inclusive nobres. Talvez. Mas chama a atenção o empenho e a dinheirama onde isso acontece – que como dito acima, é totalmente incompatível com o tamanho do município.
QUANTO MAIS TEMPO, PIOR
Um levantamento feito por este colunista mostra que nada menos do que 25 das 68 administrações na mira do MP, sob suspeita de roubalheiras, tiveram os prefeitos reeleitos em 2008. Isso, em se tratando do mesmo gestor ou gestora. O número mais do que dobra, quando considerado que o eleito foi apoiado pelo prefeito e/ou grupo anterior. Esquemas dessa profundidade não se instalam em alguns meses de mandato. Um know how tão sofisticado, como o instalado nas entranhas dos municípios, da forma como vem sendo aperfeiçoado, é coisa que vara muito mais do que uma gestão. E o pior dessa relação fraudes/reeleição: um esquema plantado em uma prefeitura para um mandato de quatro anos já é devastador. Imaginemos o tamanho da perversidade quando essa colheita maldita é pensada para o longo de oito anos.
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