terça-feira, 21 de junho de 2011

Indígenas Tremembés de Itapipoca tem demarcação de terra ameaçada

Desde 2008 tramita na 18ª Vara Federal da Justiça, uma ação contrária a primeira demarcação de terra indígena do Ceará localizada no Córrego do João Pereira, em Itapipoca. No mesmo processo, movido por posseiros da região, há uma tentativa de criminalizar a senhora Maria Amélia, coordenadora da ONG Missão Tremembé, acusando-a de uso indevido de recursos.

Segundo os advogados de defesa, a tentativa de invalidar a demarcação não contém informações sólidas para sustentar tal argumentação e ainda surgiu no caso tardiamente, haja vista ter extrapolado o prazo de entrada com uma ação. Esta alega que a demarcação seria um dano ao patrimônio público, afirmando que antes a terra seria um assentamento do INCRA, sendo a titularidade da União e a posse de trabalhadores rurais. Todavia, a terra indígena se configura da mesma forma, a titularidade continuando a ser da União e para o uso dos indígenas. Para quem não sabe, a demarcação de terras tem como princípio a garantia de território e o respeito aos modos de vida tradicionais, representando assim uma importante conquista para a própria comunidade.

Maria Amélia é reconhecida nacionalmente por sua militância na causa indígena, atuando no Ceará há mais de 20 anos tendo contribuído expressivamente nos processos de luta pelo território.

Sobre a acusação que recebeu de captar recurso financeiro para manipular indígenas no reconhecimento de sua identidade, Maria Amélia contesta: “Eu e alguns da Missão sabemos que os moradores foram induzidos a fazer afirmações como essas. Todo o dinheiro que recebemos foi gasto com viagens para os próprios indígenas, eles puderam conhecer outras etnias e participaram de eventos de temáticas ambientais”.

Os indígenas já conhecem o autor da ação por este atuar historicamente contra a demarcação de terras indígenas, representando empresários do setor turístico. O Córrego do João Pereira já é a sexta etnia indígena a ter esse direito ameaçado por especuladores imobiliários.

Para Valdiberto Marques dos Santos, indígena Tremembé do Córrego do João Pereira a expectativa é positiva para o desfecho do caso "Esperamos que o juiz dê uma decisão favorável a nós, porque a demarcação foi conseguida legalmente com apoio grande da FUNAI, da Missão Tremembé, dos Tremembé de Almofala, Varjota...esperamos que o juiz entenda a nossa luta...a terra significa a nossa mãe desde os tempos antigos, donde a gente tira o sustento dela, trabalha nela, vive dela, ela é nossa vida"

Examinando os autos do processo, o próprio INCRA e a Advocacia Geral da União pela FUNAI manifestaram-se contra a procedência da ação. Observe os pareceres de cada órgão:

O Incra ao comentar sobre a acusação de que a Sra. Maria Amélia Leite teria induzido a comunidade a se dizer indígena, criminalizando-a, cita nas fls. 489 do processo, o Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena do Córrego João Pereira: "As primeiras referências aos índios Tremembé foram feitas por Pedro Mártir de Algéria que acompanhou a expedição de Vicente Yaflez Pinzón (1500/01), e Américo Vespúcio (1500/01/02), percorreram o litoral nordeste brasileiro" Dessa forma, os autores no esforço de criminalizar a missionária Maria Amélia, tentaram negar um fato que histórico. Da mesma forma se manifesta a Advocacia Geral da União, nas fls. 670 do Processo: "Em suma, as provas da tradicionalidade da ocupação indígena exercida continuamente na área são numerosas, robustas e insofismáveis, e abarcam todo o período da colonização até a instauração dos procedimentos administrativos pela FUNAI na década de 1990 para proceder o seu reconhecimento formal".

Com todas as provas o Ministério Público Federal diz que independente de a terra ter sido alvo de desapropriação, o fato não anula o direito da comunidade Tremembé à sua terra, nas fls. 724 do Processo: "Infere-se, pois, que independente do tempo em que se operou o reconhecimento das terras como sendo de usufruto exclusivo da comunidade Tremembé, ainda que anteriormente alvo de desapropriação pelo INCRA para fins de reforma agrária, não se deve obstar com a mácula da inconstitucionalidade ou ilegalidade do decreto reconhecedor, haja vista que nada mais fez do que revelar ao mundo jurídico uma situação de fato há muito consolidada com a ocupação perene e tradicional de povos que têm na terra uma extensão de sua organicidade coletiva, revelando uma cosmogonia univérsica entre homem e natureza". Por tudo isso, o INCRA, o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União pela FUNAI solicitaram a improcedência desta ação juntamente com os 33 advogados/as da RENAP Nordeste. Agora, a ação se encontra conclusa para a sentença, ou seja, a decisão cabe agora somente ao juiz.

Os povos indígenas possuem em sua história, a luta pelo reconhecimento de sua existência, identidade e território. Ao longo dos anos, o Estado e a sociedade civil acumularam uma dívida socioambiental que precisa ser reparada para a continuidade da vida desses povos fortemente atingidos pelo modelo de desenvolvimento capitalista. Garantir a terra e outros bens naturais da população indígena é fazer justiça a quem historicamente foi vulnerabilizado pelas práticas de injustiça ambiental.

Fonte: Direitoce

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